Construindo uma articulação em rede

Foi realizado no Centro de Eventos Dorotéias, município de Fortaleza – CE, nos dias 05 e 06 de dezembro de 2012, o IV Encontro dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento do Ceará.

Vindos de diversas cidades cearenses, os Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs) debateram durante o encontro questões que fundamentam a manifestação política que apresentamos nesta carta. Neste encontro, buscou-se fortalecer a nossa rede, através da troca de experiências entre os BCDs, o debate sobre políticas públicas locais e a reafirmação dos princípios da economia solidária que orientam a prática dos BCDs.

Desde a constituição do primeiro BCD cearense, e também brasileiro, o Banco Palmas, em 1998, muitas ações já foram realizadas para fortalecer a prática dos BCDs e suas comunidades, sendo o Ceará o Estado referência neste tema no Brasil. Logo, esse encontro é fruto desta caminhada, com dificuldades, alegrias, fé, mas acima de tudo, com muita vontade e ações que transformam a realidade social cearense.

No ano de 2006, a necessidade de articulação dos BCDs e das entidades de apoio e fomento levou a criação da Rede Brasileira de Bancos Comunitários de Desenvolvimento. Hoje, conta-se mais de 100 (cem) BCDs espalhados em diversos municípios brasileiros, alguns em fase de implantação, atuando em diferentes comunidades: urbanas, rurais, amazônicas, quilombolas, tradicionais, favelas e bairros periféricos. No Ceará encontramos boa parte destes BCDs. Estas experiências contam ainda com diversas pessoas envolvidas, entre público usuário dos serviços e membros das iniciativas dos BCDs, associações comunitárias, instituições apoiadoras entre incubadoras universitárias, ONGs, empresas públicas e privadas, além do governo nas esferas municipal, estadual e federal.

Tais práticas estimulam processos de desenvolvimento comunitário, articulando diferentes mecanismos de inovação social, como: o uso das moedas sociais, a constituição de circuitos de microcrédito solidário e a instituição de espaços públicos de diálogo. Além da dinâmica de internalização da renda localmente, tais práticas tem permitido o exercício de processos de aprendizagem popular bastante substanciais na dinâmica de desenvolvimento de diversos territórios ou comunidades no Brasil.

Os BCDs demonstram ser um instrumento singular de combate a exclusão, mas não apenas isso, ele é fomentador de uma outra economia, a economia solidária, que é vivida todos os dias por milhares de trabalhadores e trabalhadoras pelo Brasil, constituindo práticas de finanças solidárias, comercialização e formação,  baseadas na gestão de serviços financeiros em comunidades empobrecidas, que compartilham os princípios da autogestão, reciprocidade, solidariedade e confiança. Evidenciamos nos territórios de atuação do BCDs que é possível outra forma de trabalho, outra economia, outro desenvolvimento, pautado no trabalho associativo e em um sistema de valores que coloque a reprodução da vida acima da reprodução do capital.  Por isso, para a criação dos BCDs são necessárias ações que contemplem um processo formativo anterior ao início de suas atividades, envolvendo com isso uma mudança cultural e uma sensibilização dos atores e atrizes comunitárias.

O modelo de desenvolvimento que defendemos é um processo de construção de longo prazo e que não se faz de forma isolada. Por isso é preciso fortalecer as redes locais de economia solidária como condição para um desenvolvimento justo e solidário pautado no saber local, articulados com as demais experiências de finanças solidárias e com o movimento de economia solidária. Além disso, precisamos fortalecer cada vez mais as redes regionais e nacionais dos BCDs, através da criação da Rede Cearense de BCDs, explicitando as ações inovadoras que fazemos dia a dia em nossas localidades.   Nesse sentido precisamos ficar atentos as práticas isoladas de microcrédito e do empreendedorismo individual que apontam para uma “solução mágica da pobreza”, contradizendo com nossa crença de que ninguém supera a pobreza sozinho e sem desejar superá-la (Paul Singer).

Os BCDs acreditam nas pessoas e valorizam os processos pautados na solidariedade e no saber e protagonismo local, portanto é a necessidade das pessoas e a sua mobilização que dá sentido aos BCDs. Assim, um BCD só tem sentido quando os moradores da localidade onde ele atua veem nele a sua própria identidade, criando espaços de formação, integração, intercâmbios culturais e articulação política, visando a transformação social. Sendo assim, é inquestionável a grande relevância e utilidade social dos BCDs no combate a exclusão financeira que encontramos até hoje em nosso país.

Defendemos a necessidade do fortalecimento de uma política pública de apoio aos BCDs, que seja continua, e que chegue de fato a atender a necessidade destes. Diante disso não podemos esquecer da importância de uma legislação que reconheça as finanças solidárias. Reconhecemos a evolução das políticas públicas neste campo, principalmente no governo federal que já apoia e reconhece os BCDs, mesmo de forma ainda tímida, como uma estratégia de superação deste modelo de desenvolvimento excludente. No Estado do Ceará se faz necessária uma posição clara do Governo do Estado sobre o desejo de apoio aos BCDs enquanto estratégia de desenvolvimento, bem como, um amplo diálogo com a Rede Cearense de BCDs e outras organizações de finanças solidárias para criarmos uma política pública de apoio aos BCDs, as moedas sociais circulantes locais, aos fundos solidários e outras iniciativas de finanças solidárias.

É cada vez mais importante que o Estado, em todas as suas esferas, reconheça e incentive as iniciativas populares da sociedade de se organizar para superar os seus problemas, respeitando o seu tempo, e os inserindo na execução e monitoramento desta política. Portanto entendemos que é obrigação do Estado apoiar estas práticas que contam com uma capilaridade não vista nas estratégias de mercado que se pautam apenas pelo lucro.

Reconhecemos os desafios presentes nos próprios BCDs para consolidar a Rede Cearense de BCDs, tal como a divulgação dos seus serviços para a sociedade em geral, inclusive no uso das moedas sociais, a ampliação no leque de parcerias, a troca de experiência mais intensa entre os próprios BCDs e o debate sobre a sua sustentabilidade. Entendemos que a sustentabilidade nos BCDs não diz respeito apenas a uma dimensão material. Mesmo sem negar a importância da viabilidade financeira, não podemos restringir o debate da sustentabilidade apenas a ela, pois envolve também questões ambientais, políticas e sociais. Um BCD, por exemplo, não é sustentável se ele não for reconhecido e desejado pela comunidade. Esta sustentabilidade deve ser construída com autonomia e independência, com base no diálogo e articulação local.

Vamos nesta caminhada, para construir a Rede Cearense de Bancos Comunitários!!!

Fortaleza, CE. 6 Dezembro de 2012. 

 

Entidades que assinaram a carta:

1.- Banco Palmas

2.- Instituto Palmas

3.- Banco Paju

4.- Instituto Paju

5.- Banco Pirambu

6.- Banco Bansol

7.- Banco Sertanejo

8.- Banco Pacatubanco

9.- Banco Timbaúbas

10.- Banco Padre Quiliano

11.- Banco Ocards

12.- Banco Quixadá

13.- Banco Bancart

14.- Banco Potira

15.- Banco Dendê Sol

16.- Banco Bandesc

17.- Banco Juazeiro

18.- Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários da Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri – ITEPS/UFC

19.- Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal da Bahia – ITES/UFBA